domingo, 11 de dezembro de 2016

Entrevista I: Ian Morais

 

Sou um tipo de magista que não foge à regra da grande maioria da nova geração ocultista brasileira. Comecei contestando a religião e os conhecimentos sobre a realidade passados no dia a dia. Tal busca me levou até o ocultismo, à magia e especificamente a magia do kaos. Minha relação com os sigilos se dá exatamente na posição de um adolescente que buscava algum conhecimento místico que pudesse ver funcionar na prática, que pudesse testar se realmente funcionava em vez de ser obrigado a engolir como um dogma simplesmente por estar escrito em algum lugar ou ter sido dito por alguém supostamente sábio ou santo.


Me tornei então um magista altamente pragmático, e tal pragmatismo está entranhado nos livros que escrevi de forma indissolúvel.

Magick: Quando, onde e como conheçeu o método de Sigilos Mágickos?

Ian Morais: Na forma de técnica organizada, aos 17 anos. A internet deu um verdadeiro boom aos meus conhecimentos ocultistas, que antes eram baseados apenas em livros e aprendizado oral popular. Descobrir que tantos materiais que antes via como lendários ou muito difíceis de um dia estudar estavam simplesmente a minha disposição.

Porém, devo ressaltar que embora sejam associados com essa nova era do ocultismo, com a grande comunidade ocultista da internet, o princípio básico dos sigilos é presente de forma substancial em diversas formas de magia popular. Lembro que entre meus 8 e 10 anos (lembro com precisão porque associo com a série que cursava no colégio) quando desejava algo aprendi a riscar um círculo no chão e desenhar dentro aquilo que queria que acontecesse, encarava um bom tempo a cena desenhada no chão e depois apagava. Pode-se dizer que era uma forma simples de fazer um sigilo, utilizando como princípios coisas aprendidas no dia-a-dia em convivência com praticantes de magia popular/catimbó e tal, sem todo o conhecimento teórico por trás das técnicas. Por outro lado, se você pesquisa algumas práticas antigas como o sankalpa, os ofudas e as magias populares de diversos povos, vai encontrar muita coisa parecida com sigilização. Afinal, magia é canalizar a vontade sobre a realidade e os sigilos são uma das formas mais simples de fazer isso. Por isso não se pode dizer que houve um criador dos sigilos, são como aqueles inventos - como a roda e as vassouras-  que de tão óbvios, a mente humana concebe de diversas formas em diversas épocas e lugares. 

M: Qual(is) método(s) de criação de Sigilos Mágickos você já utilizou?

I: Sou muito apegado à técnica, algo que fica bem claro nos meus livros. Quando testo uma fórmula que funciona, procuro chegar ao máximo que ela pode oferecer antes de adotar outra, então alguns métodos de criação apenas testei enquanto outros pratiquei à exaustão e conheço melhor os mecanismos. Na maior parte da vezes que crio sigilos, utilizo uma combinação de yantra/mantra ou seja, elaboro um símbolo pictográfico a partir do objetivo do sigilo e também um som, uma frase com sonoridade agradável à repetições. 

Quando conheci a técnica do Sankalpa percebi que um sigilo pode ser lançado apenas mentalmente, exigindo para isso um estado de concentração muito intenso. A partir desse pressuposto criei o protocolo de geração de sigilos que exponho no meu livro Kaogênesis, uma forma de fazer todo o processo de criação de sigilos mas de modo apenas mental, sem riscar nada, nos últimos tempos é a técnica que venho utilizando mais, por notar que quando bem feita é a que funciona de forma mais efetiva comigo.

M: Qual(is) método(s) outros modos carregar os Sigilos Mágickos você já utilizou?

I: Eu entendo particularmente sigilos como uma técnica mental. Gosto de usar uma classificação básica que divide as energias em prânica, mental e espiritual. A maioria dos meus escritos são baseadas apenas em como usar energia mental, com leves pinceladas sobre a prânica e a espiritual exatamente porque a energia mental é a mais segura de todas e mais simples de usar. Se você não sabe usar a energia da própria mente, deveria repensar os estudos antes de tentar dominar as outras energias. Em razão disto, já utilizei outras formas de carregar sigilos, já usei matéria, já contei com o auxílio de forças espirituais, mas nunca elaborei sigilo algum que realmente precisasse de algo além da energia da própria mente. No meu entender pessoal, pelas experiências que tive, se o objeto a ser alcançado com o sigilo exige algo além da energia mental, provavelmente a técnica mais apropriada seria outra que não um sigilo. Neste sentido, ou utilizo uma meditação ou um estado alterado mais leve para direcionar energia, esse estado leve inclusive pode ser apenas um comando mental programado com PNL, uma forma rápida e prática de carregar sigilos. Claro, está é apenas a minha opinião, quase todo magista tem posicionamentos e técnicas preferenciais e isto é super saudável. 

M: Em "Pop Magic!", Grant Morrison, declara: "Eu venho os usando [Sigilos] por vinte anos e eles SEMPRE deram certo.". Comente essa frase.

I: Quem sou eu para duvidar. No meio magístico cada cabeça pensa de uma forma, ficar pensando se o que o outro faz é real, imaginário ou uma mentira deslavada é a melhor forma de travar a própria evolução e aprendizado. Ajudar no que for pedido, não atrapalhar e não se importar se não te fere nem fere ninguém, para mim é a melhor forma de lidar com outros magistas. Mas voltando à frase, todo magista deve ser um bom vendedor, ter o poder do convencimento, do contrário fracassará nas suas práticas. O primeiro a ser convencido deve ser você mesmo, convença-se de que é capaz. No caso de um escritor de grimórios, deve ainda convencer os leitores e possíveis futuros estudantes de magia. A frase pode ser verdade ou mentira, ter sido proferida com boas ou maliciosas intenções, o que importa é que ela efetivamente acende no jovem ocultista a vontade de experimentar esse treço que esse sujeito diz que faz há vinte anos e eles sempre deram certo.

Por outro lado, sou da opinião de que magia bem executada sempre dá certo. O objetivo da magia é direcionar uma energia. A magia é uma arte de meios e não de resultados. Isto é muito importante. Nenhuma magia é garantida que irá dar certo. Nenhuma magia é garantida que irá falhar. Fazer uma magia é direcionar uma energia para um resultado. O resultado pode ser alcançado ou não. A energia terá sido direcionada do mesmo jeito. A partir do momento que a magia é lançada, muitos fatores podem influenciar, nenhum deles vai mudar o fato de que ela já foi feita. Perceba que Morrison diz que os sigilo sempre deram certo e não que sempre alcançou os resultados. Siga os passos do sigilo e eles vão sim sempre dar certo, mesmo que o resultado não seja alcançado, é esta a mensagem oculta na frase acima. Faça então outro sigilo, e outro e mais outro, todos eles vão dar certo, pode ter certeza e o resultado ficará cada vez mais perto.

M: Você já abordou este assunto, mas gostaria que nos falasse mais sobre: você considera que existe uma ou mais teorias/modelos que explica(m) como os Sigilos Mágickos funcionam? Se sim quais modelos/teorias? Como elas explicam esse funcionamento?

I: Basicamente, o funcionamento dos sigilos pode ser resumido e explicado pela lei hermética do mentalismo. O todo é mente, o universo é mental. Nossa mente pode agir sobre a matéria e o universo em geral e os sigilos são uma forma prática de fazer isso. É um nome moderno para uma técnica muito antiga, imemorial. Nossa mente faz parte de um complexo de mentes, inseridos em uma mente maior ainda. Lidar ativamente e não só passivamente com as interações entre todos esses níveis mentais é o que podemos chamar de magia em um sentido o mais amplo possível. A chave para tudo é  a mente, do controle da mente se pode acessar todo o universo. 

M: Ainda não falamos sobre o esquecimento no processo de Sigilos Mágickos. Para você precisamos esquecer algo para o Sigilo funcionar? Comente um pouco sobre esse tema.

I: Esse tema é algo que considero que muita gente confunde. Não se trata exatamente de esquecer o sigilo e sim de abstrair-se dele. Esquecer que se fez um sigilo é uma tarefa mental muito esquisita, sabemos que quando dizemos para a mente não pensar em algo, mais ainda ela pensa, então lutar para esquecer é o mesmo que lembrar. É diferente de abstrair,que significa não se importar, não esperar nada, fazer de conta que não existe. Então ao operar um sigilo, não é necessário usar de algum artíficio para esquecê-lo, isso costuma gerar frustração, quando o dito cujo teima em piscar em letras brilhantes e garrafais na sua mente como um letreiro de cassino em Vegas. O certo é após fazer, deixar pra lá, já está feito, o resto não importa mais, não deve gerar preocupações. A mente deve se focar em outras coisas ao invés de ficar esperando o resultado do sigilo.

M: Para você, existe alguma vantagem do método de Sigilização em relação à outros? Se sim, quais vantagens? De quais outros métodos?

I: Gosto de dizer que não existem vantagens nem desvantagens absolutas,  tudo é relativo a que tipo de resultado se pretende alcançar.  Alguns métodos são adequados para algumas coisas e outros para outras coisas. 
A despeito disso os sigilos possuem uma grande vantagem que chama atenção: qualquer pessoa pode utilizar. Até um cético pode utilizar um sigilo e vê-lo apenas como uma forma de focar a mente em algo.  Seja qual for a doutrina,  religião ou prática seguida,  os sigilos podem ser usados de forma completa e profunda a depender apenas do interesse individual.  A maioria das práticas mágicas exige que o praticante se adeque a certos paradigmas para praticar, a sigilização exige apenas que você enxergue a si mesmo como ser pensante, estando ao alcance de toda e qualquer pessoa.

M: Quanto e qual a influencia da Sigilização, e como ela aparece, nos seus escritos?

I: Os sigilos são uma grande inspiração com certeza. A forma simples e prática como são ensinados dentro da realidade caoísta é algo difícil de encontrar um paralelo em qualquer outra corrente ocultista. São uma semente que fez germinar muitos frutos em minhas práticas. Aprendi na prática, a partir dos resultados que obtinha, que magia não é uma coisa cifrada, com mecanismos complicados e misterioros, mas sim uma força de uma lógica cristalina, onde tudo tem um motivo de estar neste ou naquele lugar. 

O conceito de protocolo que utilizo em meus escritos -  em especial o LIBER PPP -  deve bastante à noção de sigilo, tanto que muitas práticas de protocolos envolvem sigilos. Sigilos são como mapas que conduzem a força da mente para determinado objetivo. Protocolos pretendem fazer exatamente isso, funcionarem como mapas, mas não só mentalmente mas no domínio de outras energias. Levando em conta isto, pode-se dizer que sigilos são uma peça importamente não apenas nas minhas práticas, mas em todos os meus escritos dentro do campo do ocultismo. 

M: Você tem alguma recomendação(ões) de livros, sites, enfim, fontes de informações sobre Sigilos?

I: A melhor bibliografia sobre sigilos é a prática.  Sigilos são simples em suas definições,  é uma técnica sem grandes complexidades.  Minha recomendo é apenas pegar uma receita básica para a criação e o lançamento e começar a fazer os seus,  observar e registrar resultados.  É o tipo de situação onde ler demais a respeito não vai ajudar muito, então é colocar no Google "como fazer um sigilo"  combinado com "magia do caos"  e sair fazendo seus próprios sigilos.

M: Dê um feedback de como foi para você a Entrevista.

I: A sua ideia de fazer entrevistas apenas sobre sigilos mágicos é excelente. Nunca tinha me ocorrido que esta é uma forma simples e efetiva de aprofundar conhecimentos sobre esse assunto que é ao mesmo tempo elementar e complexo. Agradeço pela oportunidade de me fazer refletir sobre minhas práticas e conjecturas sobre sigilos mágicos e mais ainda por disponibilizar estas entrevistas. Li todas as entrevistas que já estão publicadas e com todas aprendi coisas novas.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Entrevista I: Wanju Duli

 
Wanju Duli é praticante de Magia do Caos, magia experimental e criativa. Escreve livros sobre o tema.
 
Magick (Entrevistador): Quando e onde conheçeu o método de Sigilos Mágickos?

Wanju Duli (Entrevistado): Foi quando comecei a me interessar mais a fundo pela Magia do Caos, cerca de dez anos atrás (2006). A comunidade de caoísmo do orkut me ajudou bastante. Tive um primeiro contato com a obra de Austin Osman Spare, mas me baseei principalmente no que ensinavam os magistas brasileiros que tinham blogs sobre isso e compartilhavam essas informações. Por volta dessa época testei meus primeiros sigilos, de forma bem atrapalhada. Nem lembro se funcionou, mas foi divertido.

M: Qual(is) método(s) de criação de Sigilos Mágickos você já utilizou?

W: Iniciei pelo básico: cortar as letras repetidas de uma frase ou palavra, juntá-las e formar um símbolo. Mas o meu tipo de sigilo favorito é o pictórico: ou seja, fazer um desenho e desconstruí-lo em formas mais simples. Já fiz muitos desses, pois adoro desenhar!

Acho que a época que mais testei sigilização foi quando realizei as fases iniciais do Liber KKK. Fui orientada em trabalhos de encantamento pelo Peter Carroll no Arcanorium College. Criei um sigilo para cada uma das oito cores da magia e muitos deles funcionaram de forma realmente inesperada.

Foi então que o Peter me sugeriu trabalhar com sigilos que formassem mantras e passei a gostar dessa técnica também. Eu não tinha usado muito esse método no passado e me dei conta que eu me dava muito bem entoando os sigilos. É quase como anunciar para que o universo escute que eu estou determinada que aquilo aconteça. É bem poderoso e me dá muita confiança.

M: Qual(is) método(s) de carregar os Sigilos Mágickos você já utilizou?

W: O meu favorito sempre foi meditações. Isso porque antes mesmo de eu me aprofundar na Magia do Caos eu estudei o budismo por uns dois anos e meditar era algo central na minha prática; algo que fiz tanto que, creio eu, aprendi a fazer bem.

No entanto, ainda emprego mais a meditação para carregar servidores, já que os sigilos costumam ser versões mais simplificadas de magia e que muitas vezes exigem uma forma rápida de carregá-los. Por isso, eu frequentemente substituo a meditação por uma alteração leve de consciência, através de uma concentração rápida.

Como a gnose inibitória costuma demorar mais, uso gnose excitatória quando opto por um carregamento rápido. Através de exercícios de pranayama posso colocar energia nos sigilos aumentando o ritmo da respiração. E eu gosto de dançar quando uso mantras para sigilos, pois assim não somente minhas cordas vocais, mas meu corpo inteiro fica vibrando e tudo isso culmina numa liberação rápida de energias, que funciona quase como um orgasmo, pois quando se atinge o ápice o encantamento é lançado no astral e o corpo cansado suspira em exaustão e êxtase.

M: Em "Pop Magic!", Grant Morrison, declara: "Eu venho os usando [Sigilos] por vinte anos e eles SEMPRE deram certo.". Comente essa frase.

W: Lembro que achei engraçada essa declaração dele, desde a primeira vez que li. Pode ser que seja verdade. Depende para que ele usa os sigilos. Se eu só usar sigilos, digamos, para ficar ligeiramente mais calma ou mais concentrada, eles podem funcionar sempre. Em geral, se o pedido for mais subjetivo e fácil, ele tem mais probabilidade de dar certo, isso é óbvio.

Por outro lado, se você fizer um pedido bem específico e difícil com sigilos, por exemplo, que um elefante se materialize agora na sua frente, pode ser que seus sigilos falhem algumas vezes quando tentar isso. Aliás, se seus sigilos funcionarem em metade das vezes nesse caso, você é um excelente mago!

Acho que o mais importante é o magista ser sincero consigo mesmo, fazer as magias do seu jeito e aceitar seu próprio ritmo. Não importa se o magista X é muito sábio, forte, rico, famoso e habilidoso, ou mesmo se acerta todos os sigilos. Se você não é bom em sigilos não deve se desanimar com isso. É possível melhorar sempre com treino, ou achar outra área da magia na qual você se dê melhor, pois opções não faltam.

Claro que como estamos falando de Magia do Caos, pode-se dizer que há meios de fazer seus sigilos funcionarem, até quando eles não funcionam, mudando as regras do jogo ou usando o "finja até que atinja". Uns chamam isso de trapaça. Outros de diversão na certa.

M: Grant Morrison, no livro "Pop Magic!" diz: "Esquecer o desejo em sua forma verbal pode ser difícil se você começou muito ambiciosamente." - e que - "Sigilos SEMPRE dão certo. Se você encontrar quaisquer problemas para que funcionem para você, você deve estar fazendo errado." - ele coloca como existindo um jeito certo de se Sigilizar, com o esquecimento e a entrada em um estado alterado de consciência como essencial, haja visto a fala, no mesmo livro citado: "Para carregar seu sigilo você deve se concentrar na figura,e deixar aquela forma em sua mente assim você evacua todos os outros pensamentos. Totalmente impossível,você poderia dizer, mas o corpo humano possui vários mecanismos para induzir breves estados 'em branco'. Jejum,girar,exaustão intensa,medo,sexo,efeito lutar ou morrer, todos fazem este truque. Eu já carreguei sigilos quando pulava bungeejumping, deitado morrendo em uma cama de hospital,experimentando um eclipse solar total e dançando techno.". Já Alan Chapman (2008, p. 45, traduzido do original em inglês) em "Advance Magick for Beginners", declara que "a experiência tem mostrado que esquecer é importante para garantir que seu desejo irá manisfestar", mas não considera o esquecimento, nem mesmo o estado de "gnosis" como essencial, . Comente sobre essas idéias.

W: Tanto Grant Morrison quanto Alan Chapman estão certos, mas dentro de um paradigma específico. Em geral, nunca descarto imediatamente uma ideia. A questão talvez seja encontrar um paradigma na qual ela se encaixaria.

Se considerarmos a técnica de sigilos criada por Spare, Morrison está certo. Deve ser feito exatamente do modo tradicional, para ser considerado um "sigilo à la Spare".

No entanto, a Magia do Caos é algo vívido, está sempre em movimento e constante transformação. Não lidamos com dogmas ou verdades estabelecidas e inquebrantáveis. Por isso, os sigilos que os magistas do caos usam hoje não são mais iguais aos que Spare ensinou e nem precisam ser.

Existe um método geral em que sigilos funcionam bem, mas os detalhes podem variar para cada pessoa, que deve adaptá-los de acordo com os testes que o próprio magista realiza.

Tudo bem, o corpo pode possuir mecanismos para induzir estados "em branco", mas isso não significa que eles sejam sempre essenciais. Quando faço meditações, eu frequentemente descubro novos caminhos e métodos para atingir estados alterados semelhantes. Um problema pode ser se acomodar numa única forma de fazer as coisas apenas porque tem dado certo dessa forma.

OK, esqueça os sigilos e altere o estado de consciência se quiser. Mas o que ganhamos com isso? Um livro de regras prontas e fixas de "como fazer sigilos"? Para mim, Magia do Caos não pode ser só isso. É você questionar porque é feito dessa forma e depois descobrir se funciona para você. Pode haver dezenas de especialistas, magistas, cientistas, repetindo que já foi comprovado que as coisas devem ser feitas necessariamente dessa forma e de nenhuma outra, mas acho isso besteira. Nós vivemos numa época de excessiva confiança no método científico e as teorias que a ciência corrobora são tidas como verdade. E depois se descobre que um cara que viveu antes de Cristo já tinha bolado uma teoria tão incrível quanto a atual, que os caras não se deram ao trabalho de ler e testar por causa de arrogância e crença cega em nosso conhecimento atual.

Sou mais da abordagem do Chapman: esquecimento e gnose não são essenciais para ativar sigilos ou para fazer qualquer outro tipo de magia. É claro que o cara que SEMPRE acertou todos os sigilos fazendo dessa forma pode ter medo de testar algo novo, exatamente pelo medo de falhar. Mas eu acho que não precisamos ter medo de falhar. A queda no abismo faz parte da caminhada. A noite escura é essencial para irmos adiante. Quem não passa por quedas como essa pode ficar estagnado no mesmo lugar confortável de sempre, repetindo as mesmas fórmulas a vida inteira, sem aprender nada novo.

Dividir a magia em acertos (quando o ego fica inflado) e erros (quando achamos que fracassamos) é uma forma muito simplista de fazer magia. Às vezes acertos podem ser ruins e erros podem fazer a pessoa crescer. Não aceito esse sistema dicotômico, o caminho do Mago é muito mais complexo. Acertar feitiços pode te fazer um bom feiticeiro, mas não necessariamente um bom mago.

M: Você considera que existe uma ou mais teorias/modelos que explica(m) como os Sigilos Mágickos funcionam? Se sim quais modelos/teorias? Como elas explicam esse funcionamento?

W: Sim, com certeza há boas teorias ou modelos que explicam o funcionamento dos sigilos. Na Magia do Caos usa-se bastante a abordagem do método científico, embora não seja a única possível. Isso significa realizar uma série de experimentos, passo a passo, anotar resultados, repeti-los, até se chegar num tipo de teoria que explique satisfatoriamente o funcionamento de um fenômeno.

Isso não significa que aquela teoria é a verdade. Cada teoria aborda a questão de uma perspectiva diferente e cada uma tem suas vantagens e desvantagens. É preciso sacrificar algumas coisas e fazer algumas concessões. Por fim, uma teoria pode complementar outra: elas não são excludentes.

Esse é o papel da CMT (Chaos Magic Theory) na época em que ela foi desenvolvida. A Magia do Caos não é um sistema de magia, mas um metassistema. Não está fechado em si mesmo e até esse metassistema pode ser colocado em cheque. O mesmo raciocínio pode ser usado para o desenvolvimento de sigilos.

Os sigilos seguem princípio semelhante àquele do desenvolvimento de encantamentos ou feitiços. Tem-se um objetivo e certas coisas que precisam ser feitas no plano material, mental e espiritual para que tal objetivo seja alcançado. Para isso, parte-se do pressuposto de que a causalidade seja verdadeira (causa e efeito), mas também trabalha-se bastante com a correlação entre eventos (relação entre duas variáveis, mas que não estão ligadas por efeito causal).

Um dos modelos de causalidade favoritos dos caoístas é o efeito borboleta: ou seja, uma pequena mudança pode causar efeitos grandiosos e até imprevisíveis num sistema. Por isso, o caoísta não lida apenas com sistemas controlados que possam ser facilmente mensurados, mas também com o elemento do acaso, que para o magista gera uma diversão extra: uma caixinha de surpresas, que é o efeito residual da magia.

Por isso se costuma dizer que não sabemos direito por quais meios o sigilo irá atuar. A meta é que ele funcione, mas o magista precisa se preparar para acontecimentos inesperados, pois o sigilo tem seus próprios caminhos para percorrer.

Costuma-se mencionar bastante o poder do inconsciente na ativação dos sigilos. Ou seja, embaralha-se as letras de uma palavra e cria-se uma situação em que a mente consciente não interfere.

E como o sigilo opera realmente depois que a nossa lógica sai da jogada? Eu mencionaria a interação de forças externas, que se juntam às intenções iniciais do magista. Elas se diluem para que qualquer fenômeno ou ser tomem o controle. Pode ser que Deuses arrastem nossos desejos para um julgamento astral. Ou pode ser mero fruto do acaso, que o sigilo grude em uma energia poderosa e ela exploda. Os caoístas que gostem de matemática se divertem calculando a probabilidade de funcionamento desses sigilos e os que gostam de física logo inventam umas explicações repletas de dimensões e do Princípio da Incerteza. Eu diria que o magista do caos deseja que Deus jogue dados, num processo estocástico, pois se tudo fosse assim tão previsível e ordenado seria muito chato. O caos acrescenta uma insanidade adicional no jogo.

A investigação do caos segue um princípio heurístico que incentiva as descobertas. Eu acharia extremamente entediante se fosse criada uma teoria "certa" de como os sigilos funcionam. Raios, nem as teorias científicas são "certas" e absolutas. Elas devem ser revistas e reformuladas.

Por isso nós trabalhamos tanto com paradigmas. Crie diferentes modelos que expliquem o funcionamento dos sigilos, mas jamais se satisfaça com nenhum deles. É possível ter modelos preferidos, mas nunca modelos melhores ou ideais de forma absoluta.

Até o fato de que os sigilos devem necessariamente funcionar para serem válidos para mim não passa de um dogma. O mago pode optar trabalhar com um sigilo falho e mensurar as energias residuais do sistema, aplicando-as para uma nova operação mágica repleta de potencialidade.

M: Para você, existe alguma vantagem do método de Sigilização em relação à outros? Se sim, quais vantagens? De quais outros métodos?

W: Eu vejo o método de sigilização, tal como é usado hoje na Magia do Caos, simplesmente como uma magia que o Spare criou, assim como ele também criou o Alfabeto do Desejo e a Postura da Morte. Ou melhor, alguns desses métodos ele se baseou em outros já existentes e criou sua própria versão, o que também pode-se considerar o caso dos sigilos, já que antes dele já existia magias parecidas com essa.

O fato é que hoje na MC os sigilos são mais populares que o Alfabeto do Desejo, por exemplo. Também é possível pegar um desenho ou frase de Austin Osman Spare e realizar um feitiço com ele.

E é exatamente para isso que sigilos são bons: encantamentos. Algumas das vantagens dos sigilos são: a facilidade com que podem ser feitos, a simplicidade que permite entender como produzi-los e a enorme potencialidade, pois a partir de algo simples pode-se desenvolver incontáveis versões novas dessa magia, como tem sido feito hoje.

Isso tudo permite uma magia com extrema rapidez. Não vou dizer que "hoje em dia o mundo está muito rápido e as pessoas estão ansiosas por resultados imediatos" pois magias rápidas sempre foram e sempre serão úteis em qualquer época. Por isso, a utilidade de uma magia como essa é atemporal.

Vou mencionar as vantagens dos sigilos em relação a servidores. Não é preciso pensar num sigilo como um "ser" e eu acho que isso ajuda o magista a se desencanar da magia, a não se apegar e esquecer. É frequentemente algo impessoal. Você só faz um rabisco e pronto, não precisa levar tão a sério e se estressar. De certa forma, isso é bom. Já no caso dos servidores é comum ocorrer envolvimento emocional, ser uma magia um pouco mais longa e exigir mais energia do magista. Claro que um sigilo também pode se transformar num servidor, mas isso é outra história.

Porém, eu não considero sigilos algo especial. Apenas aconteceu, talvez por acaso, de sigilos se tornarem populares no caoísmo. Podia ter sido qualquer outra coisa. Mas já que as coisas ocorreram dessa forma, é inevitável que o magista do caos nutra um carinho especial por esse método.

M: Quanto e qual a influencia da Sigilização, e como ela aparece, nos seus escritos (livros e artigos)?

W: Eu escrevo muito sobre Magia do Caos e o meu maior interesse nela é o aspecto filosófico, a criação de sistemas e magia criativa. No entanto, atualmente, especialmente no Brasil, os sigilos e os servidores se tornaram muito populares, então é inevitável que, quando falo de MC, eu fale sobre eles também. Muita gente conhece o caoísmo através disso.

Especialmente nos meus primeiros livros sobre ocultismo (por exemplo, Agracamalas, Grimório da Insolência e Salve o Senhor no Caos) eu me posicionei sobre esses dois tópicos, até porque sei que é isso que as pessoas querem ler. Nos meus livros mais recentes estou abordando outros aspectos do caoísmo, mas acho difícil que um dia eu deixe de falar de sigilos. Afinal, eles são muito legais e já fazem parte da cultura da MC!

No clássico "Understanding Chaos Magic" (que talvez seja o livro sobre Magia do Caos mais conhecido no exterior) Jaq D Hawkins diz que conversou muitas vezes com Kenneth Grant, pois o Grant conheceu Austin Osman Spare pessoalmente. Ela fez muitas perguntas para Grant sobre como o Spare era e sua maneira de pensar.

Hawkins menciona em seu livro que embora Spare tenha criado essa magia de sigilização clássica que utilizamos na Magia do Caos, a intenção de Spare nunca foi que os outros magistas copiassem seus sigilos e começassem a usá-los. Ao contrário, ele criou essa magia para incentivar que os magistas passassem a desenvolver seus próprios sistemas, sendo essa uma das propostas mais fortes do caoísmo.

Por isso, embora eu adore sigilos, confesso que eu os vejo com certa reserva e eu falo deles assim nos meus livros. A magia de sigilos é um tipo de magia pré-pronta como uma forma de bolo. Você pode criar todo tipo de bolo criativo e delicioso com aquela forma, variando os ingredientes e o aspecto estético. Ainda assim, todo bolo que você criar com aquela forma, ainda se limitará ao formato dela (ou seja, os sigilos ainda possuem a limitação de regras pré-estabelecidas, não é uma magia totalmente livre).

Porém, para quem está acostumado a utilizar rituais prontos de livros de magia cerimonial, é claro que sigilos são atraentes, pois eles permitem muito mais liberdade que o modelo anterior. Ainda assim, eles também possuem suas limitações.

No caso da proposta: "crie o seu sistema de magia" você pode partir do zero e criar qualquer coisa! Claro, é contestável a existência de uma magia totalmente livre, pois você sempre vai se basear em alguma coisa e vai acabar misturando os conceitos que outras pessoas já criaram, se seu sistema for um mix de taoísmo, umbanda e magia cerimonial, por exemplo. Não há como ser 100% criativo.

Eu mesma, quando tento criar novas magias, acabo misturando com sigilos, pois eles são como camaleões, podem se transformar em muitas coisas. Sendo assim, já fui e ainda sou muito influenciada por eles. Não importa quantos aspectos negativos eles tenham, como os que apontei acima. Eles ainda são úteis, efetivos e belos. Me desculpe, Spare, nós gostamos de ser criativos, mas ainda somos seus fãs, então vamos continuar a "pegar emprestado" o que você inventou e adaptar para nossas próprias criações. Acho que é esse o espírito: nos deixarmos influenciar e inspirar uns pelos outros. Então o uso de sigilos pode ser visto mais como uma homenagem a seus criadores do que como cópia, já que nenhum método de sigilo é igual a outro e adquiriu sua própria identidade.

M: Você tem alguma(s) dica(s) para se trabalhar com Sigilos?

W: Acho importante o magista encontrar um equilíbrio entre desejar que o sigilo funcione e temer que não funcione. Aquele que está sempre lançando sigilos e é obcecado por anotar resultados e obter sucesso, talvez precise relaxar um pouco, tentar outros meios de conquistar as coisas na vida que não seja apenas a magia e ter foco. Se ele está lançando uns vinte sigilos por dia para resolver qualquer probleminha que aparece, pode ser sinal que ele não é capaz de lidar com frustrações e falhas da vida diária. Isso deve ser revisto. Mesmo que esse magista acerte todos os seus sigilos, cedo ou tarde ele pode enfrentar alguma grande tristeza ou decepção em sua vida e nesse momento não saberá lidar com ela, já que se acostumou sempre a ganhar. Ele precisará desenvolver sua maturidade espiritual e para isso ele precisa experimentar o erro. Errar é etapa fundamental da vida e não um problema a ser eliminado.

Por outro lado, o magista que está sempre com medo que seus sigilos não deem certo, precisa de incentivo. Ele deve confiar mais em si mesmo. Se ele erra quase todos os seus sigilos, não deve encarar isso como falta de habilidade e sim como um desafio estimulante. Nesse caso, seria legal que ele fizesse sigilos mais vezes e tomasse nota do resultado para análise, até que identifique os problemas e os resolva pouco a pouco, no seu próprio ritmo. Cada sigilo acertado, dentre muitos errados, nesse caso será comemorado como uma grande vitória, ao contrário do magista que acerta todos, que talvez esteja até entediado com sigilos, que para ele são previsíveis, não há a adrenalina da surpresa.

Diversão é um aspecto fundamental da Magia do Caos, além da efetividade. Se os sigilos não estão sendo mais divertidos mesmo que funcionem, se são vistos apenas de forma analítica e os acertos automaticamente computados, é hora de banir com gargalhadas e mudar a abordagem. Muita gente acha que o importante dos sigilos é apenas "funcionar" e perdem de analisar todas as outras possibilidades interessantes que eles geram em nosso aprendizado, espiritualidade e emoções.

M: Você tem alguma recomendação(ões) de livros, artigos, sites, enfim, fontes de informações sobre Sigilos?

W: Sim, com certeza! Livros, principalmente. Creio que o fundamental seja "The Book of Pleasure" de Austin Osman Spare, ou outras obras do mesmo autor. Outro bem famoso é o "Practical Sigil Magic" do Frater U.D. Também costumo recomendar outro bem lido aqui no Brasil, que é o "Visual Magick" do Jan Fries, pois ele trata de sigilos de forma bem criativa.

Tem também o NTWICCM de Greg Humphries e Julian Vayne. Esse livro trata sobre a criação do famoso servidor Fotamecus, por Fenwick Rysen, mas o Fotamecus começou sendo um sigilo. Esse sigilo se transformou num servidor pela ação de magistas num show do Metallica e depois, ao longo da produção de um filme sobre esse servidor, ele virou um Deus.

Aliás, eu recomendo qualquer livro de Vayne, pois em vários deles ele fala um pouco sobre sigilos. Ele reflete sobre o uso de sigilos, o que é um passo fundamental antes de discutirmos modos de usá-los.

Para quem gosta de magia contemporânea com tecnologia tem o "Pop Culture Magick" de Taylor Ellwood. O autor ensina como montar sigilos miméticos com colagens e a lançar sigilos enquanto se joga videogame.

Outro clássico: "Advanced Magic for Beginners" de Alan Chapman, que você mesmo citou. Chapman sugere usarmos sigilos com palavras aleatórias e através da dança.

Mais um indispensável: "Book  of Lies: The Disinformation Guide to Magick and the Occult", uma compilação de Richard Metzger. Nesse livro está contido o famoso "Pop Magic!" the Grant Morrison, também citado por você. Um dos autores da obra, comentando sobre Spare, menciona que atualmente os magistas do caos utilizam os sigilos apenas com um propósito pragmático, sem conhecer a fundo a filosofia de Spare.

Outro maravilhoso é um dos meus autores favoritos: Patrick Dunn. Em seu livro "Postmodern Magic" ele fala um pouco sobre sigilos. Segundo ele, atingir um estado de consciência alterado para lançar um sigilo seria um "contraponto estético" ao sigilo e acrescenta:
"Poderíamos, ao que parece, com a mesma facilidade queimar o sigilo e comer um x-burguer se tais ações providenciam um senso de drama e poder apropriados"

M: Dê um feedback de como foi para você a Entrevista.

W: Gostei muito da entrevista. Achei as perguntas relevantes e pertinentes e foi bem divertido responder cada uma delas. A ideia de entrevistar diferentes magistas a respeito do tema dos sigilos é ótima, pois assim é possível compararmos diferentes abordagens. Afinal, a meu ver não existe apenas uma única maneira correta de trabalhar com sigilos e ao ler o que outros praticantes dizem sempre aprendo muito. Agradeço pela oportunidade!

domingo, 13 de março de 2016

Entrevista: Rodrigo Vignoli


Rodrigo Vignoli tenta conciliar os extremos encarnando-os simultaneamente. Um experimentador em busca do sublime de cada ato.  

Magick (Entrevistador): Quando e onde conheçeu o método de Sigilos Mágickos?
Rodrigo Vignoli (Entrevistado): Eu fui apresentado à magia de sigilização em 2009, quando era um cético de tudo e trabalhava à noite num restaurante como garçom. Na época eu era apenas um adolescente inconsequente e descrente de tudo, a "fase problema". Um colega de trabalho um dia me propôs que poderia colocar a minha descrença em cheque e me disse que eu era "digno de saber" algumas coisas. E me apresentou a proposta.
Eu era cético, mas não era ignorante. Gostava de desafios, de testar a situações, experimentar coisas novas, então me rendi ao processo de leitura e entendimento e fiquei realmente impressionado em como a técnica funcionava. Eu estava diante de um mecanismo de produção de causas-e-efeitos e sem ter como chamar aquilo de "coincidência".
Foi um dos meus primeiros abismos da consciência, ceder ao Desconhecido e buscar entender como funcionava tudo isso. Naquele momento um universo inteiro se abriu diante de mim e eu ainda não tinha percebido que para usufruir daquilo que me era ofertado eu teria que abandonar qualquer ceticismo, descrença, pré-conceito ou crítica não fundamentada. Mas o Caos tem suas maneiras de nos ensinar tudo aquilo que precisamos aprender, e ele faz sempre do jeito certo, não importa qual seja.

M: Qual(is) método(s) de criação de Sigilos Mágickos você já utilizou? 
R:Quando eu comecei a utilizar a técnica de sigilização eu costumava empregar sempre afirmativas e de uma forma objetiva. Elaborava uma frase, geralmente começando por "Meu desejo é..." e depois cortava as vogais, deixando apenas as consoantes e elaborando um glifo específico o qual eu o energizava. 
Já me vali de diversos métodos para atingir estado de gnose, desde orgasmos até tonteira, exaustão e medo, por exemplo.
Atualmente eu prefiro ser mais simplista, apenas concentrando no intuito e traçando símbolos correlatos até criar aquilo que me apetece. Mesmo para energização tenho preferido a praticidade como o processo de concentração e foco na figura até atingir o limiar da supraconsciência e lançar a Vontade no Todo.
Acho que sigilo acaba sendo algo muito pessoal e encontrar a técnica ideal demanda experimentações diversas.

M: Em "Pop Magic!", Grant Morrison, declara: "Eu venho os usando [Sigilos] por vinte anos e eles SEMPRE deram certo.". Comente essa frase.  
R: Eu vejo muita gente discutindo quais são os fatores para um sigilo funcionar. Gente que diz que os sigilos funcionam parcialmente; ou que funcionam, mas não no devido prazo; ou que alguns sigilos funcionam e outros não.
Eu sempre tive 100% de sucesso em todos os meus sigilos, mas devo dizer que não me esgoto em tentativas. Eu conheço magistas que fazem sigilos para toda e qualquer situação, eles querem remodelar toda a realidade com sigilos, e eu acho que isso é possível, só não acho que seja saudável.
O sigilo atua dentro de um contexto, ele precisa de um impulso magnético do aplicante para lhe dar força e então ele se vale da situação vigente para manifestar a intenção sintetizada. Você pode ter situações que estão de acordo com o seu Caminho, o seu desenvolvimento, aquilo que Crowley vai chamar de Verdadeira Vontade e o Cristão vai chamar de Propósito Divino. Essas situações contam com a "inércia do Universo" para a sua manifestação, são os mundos paralelos te auxiliando com Sincronicidades e te dizendo que aquele é um caminho certo e que você não precisa fazer tanto esforço assim para trilhá-lo por que ele já estava te esperando; você pode ter situações que não são tão consonantes com sua essência, não estão tão adequadas ao seu propósito, mas compõem uma parte importante do seu desenvolvimento e o seu Querer é suficiente para trazê-las à tona, então você empregará um pouco mais de energia vital naquele ato de Vontade para a consecução mágicka. Significa que os breves lapsos de livre-arbítrio que nós temos aqui no plano físico nos permitem remodelar cenas secundárias da nossa trajetória (eu não vou entrar aqui na discussão de livre-arbítrio x predestinação, mas eu acredito que ambos são possíveis e, inclusive, complementares). Há ainda uma terceira situação em que um sigilo é utilizado para propósitos completamente fúteis e intimamente desligados daquele Caminho pelo qual o magista deve percorrer. Esses sigilos vão exigir muita energia vital do aplicante, por que é como se você colocasse uma força em contraposição com uma correnteza e você tivesse que ser teimoso - e não "persistente" - para alcançar o seu desejo - e não "Vontade". Essa é a causa mais comum de falhas com sigilos, é a magia por curiosidade, é a frivolidade do novato ou a insensibilidade do desalinhado consigo mesmo. 
Magia é a espontaneidade com que nossos espíritos se manifestam! Conforme o magista vai se reformando integralmente o sigilo deixa de ser uma tarefa racional e acaba por se tornar apenas uma formulação de Vontade, o mago não precisa glifar seu propósito, apenas pensar nele. A harmonia com seu caminho já é tanta que ele já não divaga tanto em suas intenções, ele sabe o que é conveniente e o que não é, ele sabe o que é o Querer e o que são apenas desejos quaisquers, seus atos são a expressão de sua superioridade e, portanto, são férteis e completos em si.
Às vezes é difícil engolir esse conceito de Propósito Maior, esse papo de evolução e superar-se. É muito difícil discutir isso dentro da Magia do Caos que acaba por assumir, infelizmente, um viés de inconsequência e descontrole que a juventude tanto clama. Aparte desse conceito, portanto, devo dizer que ele não é o único fator para o sucesso de um sigilo. Outro aspecto essencial o qual muita gente não se dá conta é a qualidade energética do magista. Para se aplicar energia em algo é preciso tê-la disponível em si.
Uma vez eu tive contato com um magista que afirmava que seus sigilos não davam certo nunca e que ele não sabia se estava fazendo algo errado. Após revisar a técnica dele constatamos que estava tudo certo, então eu lhe perguntei se eu podia fazer uma varredura energética em seu corpo, a qual ele consentiu. O rapaz estava extremamente desvitalizado e a isso ele me respondeu estar num princípio de depressão. A qualidade de sua energia era tão baixa, seu chakra básico estava tão prejudicado, que eu não via como uma pessoa em estado de subnutrição prânica pudesse se valer de qualquer reserva energética para manifestar a intenção que fosse por meio de um sigilo. Os trabalhos mágickos, mesmo os mais simples como sigilos, exigem extrema DISPOSIÇÃO. É preciso estar no controle de si e da situação para se remodelar a realidade de forma conveniente, de outra forma os resultados podem ser dúbios e dissonantes, inconvenientes. Eu aconselhei o rapaz a se tratar, aprender reiki ou outras formas de imposição de mãos, alguma técnica que lhe desse um pouco mais de autonomia energética para então se valer dos sigilos.
O sigilo é simples, ele TEM de ser simples. O que há de complexo é o contexto oculto que os envolve. Há inúmeras formas de aperfeiçoar nossos sigilos, inúmeras maneiras de tornar os resultados mais acertivos e imediatos, maneiras de converter planos em espontaneidade e frieza na verdadeira magia. Tomar as rédeas de nosso Ser nos delegará responsabilidades que até então não tínhamos, mas nos conferirá liberdades inimagináveis e experiências incomparáveis. Em síntese, tornamo-nos incompreensíveis aos desnecessários. 

M: Sei que já respondeu parcialmente na questão passada, agora, por favor, detalhe mais. Você considera que existe uma ou mais teorias/modelos que explica(m) como os Sigilos Mágickos funcionam? Se sim quais modelos/teorias? Como elas explicam esse funcionamento?
R: A questão de teorizar a magia é delicada. O sigilo, a meu ver, é um mecanismo simples, antiquíssimo, usado desde sempre pelo homem, na sua maioria das vezes de forma inconsciente, e talvez até por isso, eficaz.
Dentro da Magia do Caos há os sistemas individuais e os de massa. Há os escritores e magos mais experientes que divulgam seus aprendizados e técnicas e há os neófitos e estudantes que adaptam os ensinamentos da forma como lhes convém. Eu acho que a Magia do Caos é muito prática e é uma espécie de magia conveniente. Nem tudo funciona, mas tudo está aberto a ser testado, então por isso os novatos no campo da metafísica se fascinam com o campo de exploração que esta egrégora permite.
Eliphas Levi, em seu Grande Arcano, diz que uma oração sincera e feita com fé é mais potente do que um ritual salomônico e eu não lhe tiro a razão. É claro que devemos pesar as finalidades e a quantidade de energia empregue, no entanto tudo se resume na questão de direcionamento e intensidade da Vontade do magista. Eu acho que o sigilo é isso, é o investimento da intensão sobre um desejo, às vezes fantasiado, às vezes cru.
Eu vejo várias técnicas em livros de espiritualidade de autoajuda que propõem a concentração numa situação que se ambiciona antes de dormir, afirmando que há um estado de semi-consciência que nos conecta ao campo de potencialidade pura. Este estado é a GNOSE do magista do caos, é o mesmo que se faz ao lançar um sigilo. Quando se tem intimidade com o divino não é preciso estar no limiar do sono, não é preciso masturbação, não é preciso postura de morte e nem mesmo o glifo, o símbolo em si, mas apenas a Vontade pura e concentrada. É por isso que eu digo que os homens vêm fazendo isso desde sempre, a magia é de sua natureza. Quantas vezes os adeptos, ao entenderem os mecanismos da realidade, não olham para situações de seu passado e as compreendem com mais clareza, surpresos pro já exercerem de forma espontânea o que agora os fascina o entendimento.
O caminho do meio é a conciliação da espontaneidade com a consciência. Não há técnicas, não há sistemas, não há egregoras, não há meio, é o ser consigo mesmo, o equilibrar das experiências.

M: Ainda não falamos mais detalhadamente sobre o esquecimento no processo de Sigilos Mágickos. Para você precisamos esquecer algo para o Sigilo funcionar? Comente um pouco sobre esse tema.
R: Então, o esquecimento NÃO É obrigatório. Um sigilo ópera de diversas formas: há quem opte por utilizá-lo por meio de reforço visual e faz uma ancoragem de um intento ao símbolo e frequentemente encara o símbolo como meio de energizar aquele link energético. É o que as marcas fazem.
Outras pessoas preferem o prático carregar-e-descartar, e então esquecem e desapegam. O esquecer é, geralmente, para o neófito que não dá conta de controlar sua ansiedade. As teias mentais de autossabotagem impediriam o desenvolvimento pleno do sigilo caso o magista se pegasse pensando o tempo todo em como o cosmos operaria e "será que vai dar certo?!", entre outras inseguranças.
Esquecer não é necessário, isso é dogma.

M: Para você, existe alguma vantagem do método de Sigilização em relação à outros? Se sim, quais vantagens? De quais outros métodos?
R: Eu entendo o método de sigilização como uma forma prática de se utilizar a magia. Eu vejo a Magia do Caos em geral como uma ferramenta própria da pós-modernidade, um sistema extremamente empático e flexível que possibilita aos praticantes um domínio do sutil sem que estes tenham de se aprofundar em dogmas ou crenças fixas.
O sigilo é empoderador, ele garante acessibilidade à metafísica, é uma técnica que permite qualquer estudante com um pouco mais de atenção e curiosidade explorar aspectos da realidade que antes se mostravam invisíveis e intangíveis a ele.
Mas, ao mesmo tempo que a Magia do Caos permite essa exploração crua, ela tende a formar arrogantes e inconsequentes, por que a autonomia que essa nossa pós-modernidade nos outorga se converte numa síndrome de independência e apatia que vicia os indivíduos no próprio individualismo. Esse acesso repentino às diversas possibilidades (do Louco ao Mago), diferente de outros sistemas de discipulado em que o estudante recebe um preparo para lidar com ferramentas amplas, pode vir a fazer mais mal do que bem. Excentricidade, niilismo sintomático, ateísmo, todas essas características que são comuns na baixa magia, mas que são o oposto da Grande Obra podem vir a acometer aqueles estudantes que descuidam de si ao lidarem com um poder inesperado.
Para mim, portanto, a sigilização como qualquer outra coisa tem suas vantagens e desvantagens cabendo ao praticante o bom senso de mensurar-se e estudar a si próprio para não se perder nos caminhos.

M: Explorando possibilidades: caso se faça um Sigilo Mágicko com base em um Frase de Intento e se tire dela, vamos dizer, as letras repetidas, daí cria-se o glifo ou mantra. No entanto se ao tirar as letras repetidas você e acaba tirando, inconscientemente, uma ou  mais letras não repetidas, quero dizer, o Sigilo funcionará? Explicando melhor, quando vou preparar um Sigilo Mágicko, escrevo  a Frase de Intento e tiro as letras repetidas riscando-a completamente a letra, que fica ilegível, contudo corro o risco de riscar/eliminar letras para mais, sem perceber. Peço que desenvolva uma hipótese para esse este experimento.
R: Os sigilos não têm fórmulas específicas. Essa técnica de cortar letras é apenas uma técnica possível. Tudo isso e apenas para criptografar a mensagem antes de enviá-la para o seu subconsciente. Da mesma forma poderia ser usado Zenit Polar, código Morse ou mesmo o sistema de gematria hebraico. Aliás, os sigilos angelicais de invocações angélicas do hermetismo têm a mesma função de um sigilo caoísta, os primeiros encerram a essência de uma consciência e estes últimos encerram em si a essência de uma intenção.
Uma letra a mais ou a menos, contanto que você não perca a confiança no que está fazendo, não faz diferença alguma!

M: Você tem alguma(s) dica(s) para se trabalhar com Sigilos?
R:Tenho. Muita gente se sente preso ao formalismo do ritual, acreditando que a técnica de sigilização pertence à egregora da Magia do Caos e que é necessário um passo a passo para se chegar no resultado final. Não é preciso.
A Magia do Caos lida exatamente com a imprecisão, a possibilidade de criar novas realidades e o experimentalismo nas operações de seu próprio espírito. A egregora tem uma veia DIY* muito forte e essa é a maior oportunidade de emancipação da consciência e da vivência do TAO, da espontaneidade, dentro do ocultismo ocidental. A questão que trato aqui é a de que o sigilo é um desdobramento NATURAL dos desejos desapegados do operador. Olhe para trás de si, na sua infância, quantas vezes você não obteve sucesso apenas por Querer?
O que eu quero dizer é que com quanto mais desapego o magista tratar suas intenções, menos formalismo será empregue e consequentemente, mais ele vai ter espaço para expressar sua verdadeira essência e energizar aquele desejo e é isso que faz a manifestação certeira. Chega-se a um ponto, portanto, que torna-se desnecessário escrever as intenções num papel ou formular mais do que um desejo para que ele se manifeste espontaneamente. E com essa maturidade, claro, deixa-se de desejar as futilidades para dar-se vazão ao que realmente importa.
A síntese dessa verborragia é o mote oculto dos caoístas: relaxe e goze.

M: Você tem alguma recomendação(ões) de livros, sites, enfim, fontes de informações sobre Sigilos?
R: Eu recomendo tudo do Phil Hine, tudo do Peter Carrol, o "Pop Magic!" do Grant Morrison e o "Teoria dos Sigilos" do Austin Osman Spare. Além disso recomendo o grupo de Facebook "Kaos Brasil - Magia do Caos". Acho que esses autores renomados têm mais propriedade e, principalmente, maturidade para tratar do assunto. Nos blogs a gente encontra muito material que além de insustentável é também perigoso para os neófitos. A internet é uma selva quando se Trata de magia do Caos.

M: Dê um feedback de como foi para você a Entrevista.
R: Eu adorei a entrevista! Foi bem agradável e acho que cercamos bem o tema, embora, como dissemos, há uma diversidade de maneiras de se praticar esta técnica e não conseguiríamos - e seria desinteressante - abordar todas elas aqui.
Acho que eu tenho um posicionamento bem diferente da maioria dos estudantes de Magia do Caos quando eu prezo por responsabilidade e por uma espécie de moral que nem sempre está presente no ethos destes magista. A meu ver este contraponto é crucial para que o neófito possa balancear seus pontos de vista e suas atitudes.
Espero que este trabalho possa esclarecer dúvidas e levar o entendimento ao buscador sincero. Sou grato por participar deste projeto.

*”Do It Yourself” (expressão em inglês que significa: “Faça Você Mesmo”).