domingo, 13 de março de 2016

Entrevista: Rodrigo Vignoli


Rodrigo Vignoli tenta conciliar os extremos encarnando-os simultaneamente. Um experimentador em busca do sublime de cada ato.  

Magick (Entrevistador): Quando e onde conheçeu o método de Sigilos Mágickos?
Rodrigo Vignoli (Entrevistado): Eu fui apresentado à magia de sigilização em 2009, quando era um cético de tudo e trabalhava à noite num restaurante como garçom. Na época eu era apenas um adolescente inconsequente e descrente de tudo, a "fase problema". Um colega de trabalho um dia me propôs que poderia colocar a minha descrença em cheque e me disse que eu era "digno de saber" algumas coisas. E me apresentou a proposta.
Eu era cético, mas não era ignorante. Gostava de desafios, de testar a situações, experimentar coisas novas, então me rendi ao processo de leitura e entendimento e fiquei realmente impressionado em como a técnica funcionava. Eu estava diante de um mecanismo de produção de causas-e-efeitos e sem ter como chamar aquilo de "coincidência".
Foi um dos meus primeiros abismos da consciência, ceder ao Desconhecido e buscar entender como funcionava tudo isso. Naquele momento um universo inteiro se abriu diante de mim e eu ainda não tinha percebido que para usufruir daquilo que me era ofertado eu teria que abandonar qualquer ceticismo, descrença, pré-conceito ou crítica não fundamentada. Mas o Caos tem suas maneiras de nos ensinar tudo aquilo que precisamos aprender, e ele faz sempre do jeito certo, não importa qual seja.

M: Qual(is) método(s) de criação de Sigilos Mágickos você já utilizou? 
R:Quando eu comecei a utilizar a técnica de sigilização eu costumava empregar sempre afirmativas e de uma forma objetiva. Elaborava uma frase, geralmente começando por "Meu desejo é..." e depois cortava as vogais, deixando apenas as consoantes e elaborando um glifo específico o qual eu o energizava. 
Já me vali de diversos métodos para atingir estado de gnose, desde orgasmos até tonteira, exaustão e medo, por exemplo.
Atualmente eu prefiro ser mais simplista, apenas concentrando no intuito e traçando símbolos correlatos até criar aquilo que me apetece. Mesmo para energização tenho preferido a praticidade como o processo de concentração e foco na figura até atingir o limiar da supraconsciência e lançar a Vontade no Todo.
Acho que sigilo acaba sendo algo muito pessoal e encontrar a técnica ideal demanda experimentações diversas.

M: Em "Pop Magic!", Grant Morrison, declara: "Eu venho os usando [Sigilos] por vinte anos e eles SEMPRE deram certo.". Comente essa frase.  
R: Eu vejo muita gente discutindo quais são os fatores para um sigilo funcionar. Gente que diz que os sigilos funcionam parcialmente; ou que funcionam, mas não no devido prazo; ou que alguns sigilos funcionam e outros não.
Eu sempre tive 100% de sucesso em todos os meus sigilos, mas devo dizer que não me esgoto em tentativas. Eu conheço magistas que fazem sigilos para toda e qualquer situação, eles querem remodelar toda a realidade com sigilos, e eu acho que isso é possível, só não acho que seja saudável.
O sigilo atua dentro de um contexto, ele precisa de um impulso magnético do aplicante para lhe dar força e então ele se vale da situação vigente para manifestar a intenção sintetizada. Você pode ter situações que estão de acordo com o seu Caminho, o seu desenvolvimento, aquilo que Crowley vai chamar de Verdadeira Vontade e o Cristão vai chamar de Propósito Divino. Essas situações contam com a "inércia do Universo" para a sua manifestação, são os mundos paralelos te auxiliando com Sincronicidades e te dizendo que aquele é um caminho certo e que você não precisa fazer tanto esforço assim para trilhá-lo por que ele já estava te esperando; você pode ter situações que não são tão consonantes com sua essência, não estão tão adequadas ao seu propósito, mas compõem uma parte importante do seu desenvolvimento e o seu Querer é suficiente para trazê-las à tona, então você empregará um pouco mais de energia vital naquele ato de Vontade para a consecução mágicka. Significa que os breves lapsos de livre-arbítrio que nós temos aqui no plano físico nos permitem remodelar cenas secundárias da nossa trajetória (eu não vou entrar aqui na discussão de livre-arbítrio x predestinação, mas eu acredito que ambos são possíveis e, inclusive, complementares). Há ainda uma terceira situação em que um sigilo é utilizado para propósitos completamente fúteis e intimamente desligados daquele Caminho pelo qual o magista deve percorrer. Esses sigilos vão exigir muita energia vital do aplicante, por que é como se você colocasse uma força em contraposição com uma correnteza e você tivesse que ser teimoso - e não "persistente" - para alcançar o seu desejo - e não "Vontade". Essa é a causa mais comum de falhas com sigilos, é a magia por curiosidade, é a frivolidade do novato ou a insensibilidade do desalinhado consigo mesmo. 
Magia é a espontaneidade com que nossos espíritos se manifestam! Conforme o magista vai se reformando integralmente o sigilo deixa de ser uma tarefa racional e acaba por se tornar apenas uma formulação de Vontade, o mago não precisa glifar seu propósito, apenas pensar nele. A harmonia com seu caminho já é tanta que ele já não divaga tanto em suas intenções, ele sabe o que é conveniente e o que não é, ele sabe o que é o Querer e o que são apenas desejos quaisquers, seus atos são a expressão de sua superioridade e, portanto, são férteis e completos em si.
Às vezes é difícil engolir esse conceito de Propósito Maior, esse papo de evolução e superar-se. É muito difícil discutir isso dentro da Magia do Caos que acaba por assumir, infelizmente, um viés de inconsequência e descontrole que a juventude tanto clama. Aparte desse conceito, portanto, devo dizer que ele não é o único fator para o sucesso de um sigilo. Outro aspecto essencial o qual muita gente não se dá conta é a qualidade energética do magista. Para se aplicar energia em algo é preciso tê-la disponível em si.
Uma vez eu tive contato com um magista que afirmava que seus sigilos não davam certo nunca e que ele não sabia se estava fazendo algo errado. Após revisar a técnica dele constatamos que estava tudo certo, então eu lhe perguntei se eu podia fazer uma varredura energética em seu corpo, a qual ele consentiu. O rapaz estava extremamente desvitalizado e a isso ele me respondeu estar num princípio de depressão. A qualidade de sua energia era tão baixa, seu chakra básico estava tão prejudicado, que eu não via como uma pessoa em estado de subnutrição prânica pudesse se valer de qualquer reserva energética para manifestar a intenção que fosse por meio de um sigilo. Os trabalhos mágickos, mesmo os mais simples como sigilos, exigem extrema DISPOSIÇÃO. É preciso estar no controle de si e da situação para se remodelar a realidade de forma conveniente, de outra forma os resultados podem ser dúbios e dissonantes, inconvenientes. Eu aconselhei o rapaz a se tratar, aprender reiki ou outras formas de imposição de mãos, alguma técnica que lhe desse um pouco mais de autonomia energética para então se valer dos sigilos.
O sigilo é simples, ele TEM de ser simples. O que há de complexo é o contexto oculto que os envolve. Há inúmeras formas de aperfeiçoar nossos sigilos, inúmeras maneiras de tornar os resultados mais acertivos e imediatos, maneiras de converter planos em espontaneidade e frieza na verdadeira magia. Tomar as rédeas de nosso Ser nos delegará responsabilidades que até então não tínhamos, mas nos conferirá liberdades inimagináveis e experiências incomparáveis. Em síntese, tornamo-nos incompreensíveis aos desnecessários. 

M: Sei que já respondeu parcialmente na questão passada, agora, por favor, detalhe mais. Você considera que existe uma ou mais teorias/modelos que explica(m) como os Sigilos Mágickos funcionam? Se sim quais modelos/teorias? Como elas explicam esse funcionamento?
R: A questão de teorizar a magia é delicada. O sigilo, a meu ver, é um mecanismo simples, antiquíssimo, usado desde sempre pelo homem, na sua maioria das vezes de forma inconsciente, e talvez até por isso, eficaz.
Dentro da Magia do Caos há os sistemas individuais e os de massa. Há os escritores e magos mais experientes que divulgam seus aprendizados e técnicas e há os neófitos e estudantes que adaptam os ensinamentos da forma como lhes convém. Eu acho que a Magia do Caos é muito prática e é uma espécie de magia conveniente. Nem tudo funciona, mas tudo está aberto a ser testado, então por isso os novatos no campo da metafísica se fascinam com o campo de exploração que esta egrégora permite.
Eliphas Levi, em seu Grande Arcano, diz que uma oração sincera e feita com fé é mais potente do que um ritual salomônico e eu não lhe tiro a razão. É claro que devemos pesar as finalidades e a quantidade de energia empregue, no entanto tudo se resume na questão de direcionamento e intensidade da Vontade do magista. Eu acho que o sigilo é isso, é o investimento da intensão sobre um desejo, às vezes fantasiado, às vezes cru.
Eu vejo várias técnicas em livros de espiritualidade de autoajuda que propõem a concentração numa situação que se ambiciona antes de dormir, afirmando que há um estado de semi-consciência que nos conecta ao campo de potencialidade pura. Este estado é a GNOSE do magista do caos, é o mesmo que se faz ao lançar um sigilo. Quando se tem intimidade com o divino não é preciso estar no limiar do sono, não é preciso masturbação, não é preciso postura de morte e nem mesmo o glifo, o símbolo em si, mas apenas a Vontade pura e concentrada. É por isso que eu digo que os homens vêm fazendo isso desde sempre, a magia é de sua natureza. Quantas vezes os adeptos, ao entenderem os mecanismos da realidade, não olham para situações de seu passado e as compreendem com mais clareza, surpresos pro já exercerem de forma espontânea o que agora os fascina o entendimento.
O caminho do meio é a conciliação da espontaneidade com a consciência. Não há técnicas, não há sistemas, não há egregoras, não há meio, é o ser consigo mesmo, o equilibrar das experiências.

M: Ainda não falamos mais detalhadamente sobre o esquecimento no processo de Sigilos Mágickos. Para você precisamos esquecer algo para o Sigilo funcionar? Comente um pouco sobre esse tema.
R: Então, o esquecimento NÃO É obrigatório. Um sigilo ópera de diversas formas: há quem opte por utilizá-lo por meio de reforço visual e faz uma ancoragem de um intento ao símbolo e frequentemente encara o símbolo como meio de energizar aquele link energético. É o que as marcas fazem.
Outras pessoas preferem o prático carregar-e-descartar, e então esquecem e desapegam. O esquecer é, geralmente, para o neófito que não dá conta de controlar sua ansiedade. As teias mentais de autossabotagem impediriam o desenvolvimento pleno do sigilo caso o magista se pegasse pensando o tempo todo em como o cosmos operaria e "será que vai dar certo?!", entre outras inseguranças.
Esquecer não é necessário, isso é dogma.

M: Para você, existe alguma vantagem do método de Sigilização em relação à outros? Se sim, quais vantagens? De quais outros métodos?
R: Eu entendo o método de sigilização como uma forma prática de se utilizar a magia. Eu vejo a Magia do Caos em geral como uma ferramenta própria da pós-modernidade, um sistema extremamente empático e flexível que possibilita aos praticantes um domínio do sutil sem que estes tenham de se aprofundar em dogmas ou crenças fixas.
O sigilo é empoderador, ele garante acessibilidade à metafísica, é uma técnica que permite qualquer estudante com um pouco mais de atenção e curiosidade explorar aspectos da realidade que antes se mostravam invisíveis e intangíveis a ele.
Mas, ao mesmo tempo que a Magia do Caos permite essa exploração crua, ela tende a formar arrogantes e inconsequentes, por que a autonomia que essa nossa pós-modernidade nos outorga se converte numa síndrome de independência e apatia que vicia os indivíduos no próprio individualismo. Esse acesso repentino às diversas possibilidades (do Louco ao Mago), diferente de outros sistemas de discipulado em que o estudante recebe um preparo para lidar com ferramentas amplas, pode vir a fazer mais mal do que bem. Excentricidade, niilismo sintomático, ateísmo, todas essas características que são comuns na baixa magia, mas que são o oposto da Grande Obra podem vir a acometer aqueles estudantes que descuidam de si ao lidarem com um poder inesperado.
Para mim, portanto, a sigilização como qualquer outra coisa tem suas vantagens e desvantagens cabendo ao praticante o bom senso de mensurar-se e estudar a si próprio para não se perder nos caminhos.

M: Explorando possibilidades: caso se faça um Sigilo Mágicko com base em um Frase de Intento e se tire dela, vamos dizer, as letras repetidas, daí cria-se o glifo ou mantra. No entanto se ao tirar as letras repetidas você e acaba tirando, inconscientemente, uma ou  mais letras não repetidas, quero dizer, o Sigilo funcionará? Explicando melhor, quando vou preparar um Sigilo Mágicko, escrevo  a Frase de Intento e tiro as letras repetidas riscando-a completamente a letra, que fica ilegível, contudo corro o risco de riscar/eliminar letras para mais, sem perceber. Peço que desenvolva uma hipótese para esse este experimento.
R: Os sigilos não têm fórmulas específicas. Essa técnica de cortar letras é apenas uma técnica possível. Tudo isso e apenas para criptografar a mensagem antes de enviá-la para o seu subconsciente. Da mesma forma poderia ser usado Zenit Polar, código Morse ou mesmo o sistema de gematria hebraico. Aliás, os sigilos angelicais de invocações angélicas do hermetismo têm a mesma função de um sigilo caoísta, os primeiros encerram a essência de uma consciência e estes últimos encerram em si a essência de uma intenção.
Uma letra a mais ou a menos, contanto que você não perca a confiança no que está fazendo, não faz diferença alguma!

M: Você tem alguma(s) dica(s) para se trabalhar com Sigilos?
R:Tenho. Muita gente se sente preso ao formalismo do ritual, acreditando que a técnica de sigilização pertence à egregora da Magia do Caos e que é necessário um passo a passo para se chegar no resultado final. Não é preciso.
A Magia do Caos lida exatamente com a imprecisão, a possibilidade de criar novas realidades e o experimentalismo nas operações de seu próprio espírito. A egregora tem uma veia DIY* muito forte e essa é a maior oportunidade de emancipação da consciência e da vivência do TAO, da espontaneidade, dentro do ocultismo ocidental. A questão que trato aqui é a de que o sigilo é um desdobramento NATURAL dos desejos desapegados do operador. Olhe para trás de si, na sua infância, quantas vezes você não obteve sucesso apenas por Querer?
O que eu quero dizer é que com quanto mais desapego o magista tratar suas intenções, menos formalismo será empregue e consequentemente, mais ele vai ter espaço para expressar sua verdadeira essência e energizar aquele desejo e é isso que faz a manifestação certeira. Chega-se a um ponto, portanto, que torna-se desnecessário escrever as intenções num papel ou formular mais do que um desejo para que ele se manifeste espontaneamente. E com essa maturidade, claro, deixa-se de desejar as futilidades para dar-se vazão ao que realmente importa.
A síntese dessa verborragia é o mote oculto dos caoístas: relaxe e goze.

M: Você tem alguma recomendação(ões) de livros, sites, enfim, fontes de informações sobre Sigilos?
R: Eu recomendo tudo do Phil Hine, tudo do Peter Carrol, o "Pop Magic!" do Grant Morrison e o "Teoria dos Sigilos" do Austin Osman Spare. Além disso recomendo o grupo de Facebook "Kaos Brasil - Magia do Caos". Acho que esses autores renomados têm mais propriedade e, principalmente, maturidade para tratar do assunto. Nos blogs a gente encontra muito material que além de insustentável é também perigoso para os neófitos. A internet é uma selva quando se Trata de magia do Caos.

M: Dê um feedback de como foi para você a Entrevista.
R: Eu adorei a entrevista! Foi bem agradável e acho que cercamos bem o tema, embora, como dissemos, há uma diversidade de maneiras de se praticar esta técnica e não conseguiríamos - e seria desinteressante - abordar todas elas aqui.
Acho que eu tenho um posicionamento bem diferente da maioria dos estudantes de Magia do Caos quando eu prezo por responsabilidade e por uma espécie de moral que nem sempre está presente no ethos destes magista. A meu ver este contraponto é crucial para que o neófito possa balancear seus pontos de vista e suas atitudes.
Espero que este trabalho possa esclarecer dúvidas e levar o entendimento ao buscador sincero. Sou grato por participar deste projeto.

*”Do It Yourself” (expressão em inglês que significa: “Faça Você Mesmo”).

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